Taça UEFA 1982/1983 - parte IV (Final)
Para um adepto que acompanhe o futebol com emoção, ver o seu clube chegar à final de uma competição europeia deve ser dos momentos de maior ansiedade, onde se mistura a satisfação de se chegar à derradeira etapa de uma competição de prestígio (o que só por si é um grande mérito) e ao mesmo tempo, o receio de, estando ali tão perto, não conseguir aproveitar essa oportunidade única de escrever o nome na lista de vencedores dessa competição.
Note-se que, na altura, a Taça UEFA era disputada pelos 2ºs e 3ºs classificados de todos os países (excepto quando essa classificação coincidia com a conquista da taça do respectivo país). Hoje os clubes dos países futebolisticamente mais poderosos apuram, até ao 4º classificado, os respectivos clubes para a Liga dos Campeões (e respectivas pré-eliminatórias). Do mesmo modo, os vencedores das taças (muitas vezes equipas de perfeitamente secundárias nos respectivos países) também são apurados para a Taça UEFA. Ou seja, a dificuldade em conquistar a Taça UEFA, até meados dos anos 90 era consideravelmente maior do que actualmente, já que as grandes equipas que anteriormente disputavam a taça UEFA foram "canalizadas" para a Champions League.
Portanto, quando o Benfica chegou à final da Taça UEFA de 1983 (ainda para mais disputada a duas "mãos", uma no terreno de cada equipa, como se de uma eliminatória se tratasse - o actual formato de final com um só jogo, em campo neutro, foi introduzido na edição 1997/98), senti esta sensação de ansiedade que descrevi. Até porque, entre o apuramento para final (o empate 1-1 em Craiova) e o jogo da 2ª mão houve o intervalo de um mês (com o jogo da 1ª mão pelo meio).
O adversário era o Anderlecht, que no ano anterior tinha chegado às meias finais da Taça dos Campeões (derrotado pelo Aston Villa, vencedor dessa edição) e na sua equipa contava com alguns jogadores internacionais pela selecção belga (numa altura em que esta se encontrava precisamente no seu auge - tinha sido 2ª classificada no Euro 1980), tais como o guarda-redes Munaron, Vercauteren, van den Bergh, Czerniatynski e Coeck. Também contava com outros jogadores internacionais tais como os dinamarqueses Brylle-Larsen e Morten Olsen.
Por isso, era um adversário de respeito e de qualidade, mas na altura eu não queria saber disso para nada! Queria era que o Benfica ficasse com o "caneco"! Até porque o Benfica também tinha uma grande equipa, onde não havia um único jogador que se pudesse considerar o elo mais fraco da equipa. Era realmente uma grande equipa, onde o talento de algumas individualidades era aproveitado em função da equipa.
O jogo da primeira mão, em Bruxelas (no malfadado, mas por outras razões, Estádio do Heysel, em Bruxelas), não correu muito bem. O Anderlecht ganhou o jogo, por 1-0 (golo Brylle-Larsen na primeira parte) e provou ser uma grande equipa.
Recordo-me que na segunda parte o Benfica chegou a ter uma boa oportunidade para empatar (pelo Diamantino, se não me engano), mas o certo é que de nada serviu.
No fim do jogo, e durante os 15 dias de intervalo até ao jogo da 2ª mão fique a lamentar a oportunidade desperdiçada pelo Benfica para empatar o jogo, pois mesmo apesar de a desvantagem ser mínima, não se previa fácil dar a volta no jogo da Luz.
Chegado o dia do jogo da 2ª mão, não pensava em mais nada e na escola não se falava de outra coisa. A maioria dos meus colegas era benfiquista (claro!), e todos acreditávamos que o Benfica podia "dar a volta" à desvantagem e conquistar o troféu. As "apostas" eram sobre quem marcava os golos, que naturalmente, incidiam na sua maioria no Nené e no Filipovic (aos quais eu acrescentava o Carlos Manuel).
O jantar foi a correr, comi menos que o habitual para ser mais rápido e ter tempo para me "concentrar" no jogo! Os meus pais, que não apreciam grandemente futebol, também foram "contagiados" pelo meu entusiasmo, e também quiseram assistir ao jogo, que seria transmitido pela RTP (o da 1ª mão não foi transmitido).
O Benfica começou o jogo ao ataque, pois tinha que recuperar da desvantagem. O golo tardava em aparecer até que o Shéu, que raramente marcava golos e se aventurava no interior da área, aparceu isolodo, qual ponta de lança, a concluir uma excelente jogada com um excelente golo! Escusado dizer que me fartei de celebrar aquele golo, e o pensamento foi que estava aberto o caminho para o Benfica ganhar o jogo. Sinceramente, estava plenamente convicto de que o Benfica iria acabar por marcar o 2º golo e nem me passava pela cabeça que o Anderlecht marcasse.
(Fotos gentilmente cedidas por S.L.B.)
O que é certo é que, decorridos cerca de 5 mins, num momento de desconcentração da equipa (e sobretudo da defesa) - talvez ainda deslumbrada com o facto de ter a vitória ao seu alcance - o Anderlecht acabou por empatar o jogo, com um golo do avançado espanhol Lozano. Não foi um "balde de água fria", mas sim de "água gelada". Fiquei furioso e indignado pelo atrevimento dos belgas de estarem a estragar a festa do Benfica em pleno estádio da Luz... Mas o facto é que, em poucos minutos, deu para viver intensamente todas as emoções possíveis quando se assiste a um jogo de futebol.Até ao fim do jogo, o Benfica continuou a atacar mais, como lhe competia, mas o Anderlecht estava muito bem organizado e não me lembro de ter havido grandes oportunidades de golo. Certo é que não houve mais golos, e com o empate, o Benfica perdia para o Anderlecht a Taça UEFA.
Acabei por ficar resignado com o resultado (apesar de achar que o Benfica era a melhor equipa), e os meus pais tentaram relativizar a derrota como tentativa de me animarem. Mas ainda hoje lamento a forma como o Benfica perdeu essa final...
Já agora, transcrevo aqui os factos do jogos da final (o meu "auxiliar de memória" de que falei no primeiro post sobre o tema...).
Estes dados foram obtidos em: http://galeb.etf.bg.ac.yu/%7Emirad/Archive/UEFA1983.HTM#fin
[1ª mão]
RSC Anderlecht Brussels - SL Benfica Lisbona 1:0 (1:0)
04.05.1983 (?.?) Brussels, Stade du Heysel (-58000) Bogdan G. Dochev BUL
Anderlecht: Munaron - Hofkens, Peruzovic, Olsen, de Groote - Lozano, Coeck,
Frimann-Hansen, Vercauteren (c) - van den Bergh (78 Czerniatynski),
Brylle-Larsen
Coach: Paul van Himst
Benfica: Bento - Pietra, Frederico (78 Alberto Bastos Lopes), Humberto
Coelho (c), Alvaro - Carlos Manuel, José Luis, Chalana, Shéu - Diamantino,
Filipovic (68 Nene)
Coach: Sven-Göran Enksson SWE
1:0 Brylle-Larsen 30
booked: de Groote / José Luis, Pietra
sent off: José Luis (75)
[2ª mão]
SL Benfica Lisbona - RSC ANDERLECHT Brussels 1:1 (1:1)
18.05.1981 (?.?) Lisbona, Estadio da Luz (-80000) Charles G. R. Corver HOL
Benfica: Bento - Pietra, Veloso (62 Alves), Humberto Coelho (c), Antonio
Bastos Lopes - Carlos Manuel, Nene, Strömberg - Diamantino, Chalana, Shéu
(50 Filipovic)
Coach: Sven-Göran Eriksson SWE
Anderlecht: Munaron - de Greef, Peruzovic, Olsen, de Groote - Broos,
Frimann-Hansen, Coeck, Vercauteren (c) - van den Bergh (78 Brylle-Larsen),
Lozano
Coach: Paul van Himst
1:0 Shéu 32, 1:1 Lozano 39
13 Comments:
Brevemente mandar-te-ei qualquer coisa. Infelizmente o tempo é escasso :-(
Um abraço.
No stress, Francis :-)
Compreendo perfeitamente o teu problema...
O falhanço do Diamantino no jogo da 1ª mão (a um centro da direita faz um remate já bem dentro da pequena área que vai embater na barra!) é dos falhanços mais incríveis que já vi num jogo de futebol (talvez só igualado pelo falhanço do Futre no Bessa no célebre jogo em que o Paulo Sousa acabou na baliza em 92/93). Por outro lado, o Álvaro é muitíssimo mal batido no lance do golo em Bruxelas e talvez por isso tenha ficado de fora no jogo da 2ª mão, o que foi estranho tanto mais que jogou o Veloso que tinha vindo há pouco tempo de uma prolongada lesão.
SLB: Apesar de não ter dado muita importância à titularidade do Veloso na 2ª mão, esse facto (aparecer após uma longa ausência) também não me passou despercebido.
Qto ao falhanço do Diamantino, não me recordo de ter visto resumo, portanto, obrigado por completares a descrição desse lance! Para além desse falhanço do Futre, convem não esquecer os inúmeros falhanços a um metro da baliza desse especialista na matéria, o Paulo Alves...
Estava tão nervoso com o jogo da 2ª mão na Luz que fui à casa de banho durante a partida (o que nunca foi muito habitual) e adivinha onde eu estava quando o Shéu marcou o golo? Pois... Claro que depois do empate deles fui mais duas ou três vezes até ao final do jogo (mesmo não tenho muita vontade) a ver se dava o mesmo resultado, mas infelizmente isso não se verificou...
Ainda hoje tenho essa bola do Diamantino atravessada na garganta!
No entanto foi um Senhor jogador, um tecnicista fantástico que merecia melhor sorte!
Enfim, c'est la vie...
SLB: perder o momento mais importante do jogo é mesmo azar! Nessas coisas, nunca nada me faz tirar, por vontade própria, os olhos da televisão em jogos importantes. E por vontade alheia, só muito dificilmente.
Ainda hoje é assim, o que por vezes causa alguma irritação à minha mulher (tal como aconteceu no outro dia com o Man Utd). Se for mesmo obrigado a fazê-lo, não escondo a minha insatisfação pelo facto...
Francis: de facto, o Diamantino foi dos grandes jogadores que o Benfica teve durante a década de 80, que não merecia, sobretudo, ter sido lesionado pela besta do Adão, do V. Guimarães, no jogo que antecedeu a final da Taça dos Campeões de 1988.
De resto, foi interessante a sua evolução como jogador: inicialmente era utilizado essencialmente como ponta de lança (o chamado 9 1/2) - onde marcava muitos golos (em 83/84 quase foi o melhor marcador), depois passou a ser fundamentalmente um extremo (direito, na maior parte das vezes, mas no ano após a saída do Chalana, foi muitas vezes extremo esquerdo) e por fim, a posição onde, quanto a mim, atingiu todo o seu esplendor: a de nº10 (embora jogasse com o nº11 na camisola...).
Hoje também sou assim, TMA, não há nada que me faça perder os jogos do Glorioso (nem partes de jogos), mas na altura tinha sete anos... :-)
A lesão do Diamantino foi preponderante para a nossa derrota nessa final da Taça dos Campeões. Com ele em campo, a música teria sido certamente outra... E o pior de tudo foi que depois dessa lesão ele nunca mais voltou a ser o mesmo.
Sim, o Diamantino, tal como o Chalana (este mais novo ainda) foram jogadores que viram a sua carreira limitada cedo demais, devido a lesões. Aliás, com o próprio Eusébio aconteceu o mesmo, embora ele já tivesse 31 anos (mas se não fossem os maus tratos que sofreu, seguramente a sua brilhante carreira teria durado mais uns anos ao mais alto nível...). Foi preciso o Van Basten, com 29 anos, ter uma lesão grave devido por causa de uma entrada por trás de um adversário para a FIFA se "mexer" e introduzir medidas disciplinares rigorosas relativas a entradas perigosas.
De resto, fala-se muito do Deco, mas considero o Diamantino melhor que o Deco, sobretudo na questão da colocação da bola, já que tanto em centros, passes e livres, o Diamantino punha a bola onde queria, o que era mais extraordinário ainda se considerarmos que ele via bastante mal de um dos olhos!
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
A grande polémica dos jogos da final foi que o Eriksson deixou de fora o Alves, que era titular indiscutível, tendo na segunda mão optado por jogar com o Veloso, que vinha de uma lesão prolongada e estava sem ritmo.
Quanto ao Diamantino, foi um dos meus grandes ídolos de sempre no Benfica. Sobretudo depois da época de 1986/87, em que ganhámos a dobradinha com o Mortimore, quando a equipa era praticamente o Diamantino mais dez, e na final da Taça, ganha por dois a um aos lagartos, ele marcou os dois golos: um de livre, e o outro numa jogada individual espectacular em que ele partiu o Virgílio ao meio.
Ninguém me conseguirá alguma vez convencer que no ano seguinte só não fomos campeões europeus porque o Diamantino se lesionou no fim-de-semana antes da final.
O jogo de hoje também merece ficar nas nossas memórias. BENFIIIIIIIICA!!!
É verdade! Foi precisamente nisso que pensei ontem à noite, quando celebrava a vitória (fui à janela da cozinha berrar BENFIIIIIIIIIIIIICA para que todo o bairro ouvisse...) e me lembrava constantemente de como um jogador que não era nenhum fora de série, como o César Brito, se tornou num dos maiores heróis dos últimos anos (acho que a vitória de ontem justifica que eu antecipe esse episódio aqui nas minhas memórias...).
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